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domingo, 15 de janeiro de 2012

O Terrível Vórtice da Perspectiva Total


Douglas Adams, em seu genial O Restaurante no Fim do Universo (2º volume da série O Mochileiro da Galáxia), fala sobre o Vórtice da Perspectiva Total. Trata-se de um instrumento extremamente poderoso utilizado para torturar e castigar os maiores criminosos intergaláticos. Sobre este aparelho ele diz:
"O Universo, como já foi dito anteriormente, é um lugar desconcertantemente grande, um fato que, para continuar levando uma vida tranquila, a maioria das pessoas tende a ignorar.
Muitos se mudariam, felizes, para qualquer outro lugar menor que fossem capazes de criar, e na verdade é isso que a maioria dos seres faz.
Por exemplo, num canto do Braço Oriental da Galáxia fica o enorme planeta Oglaroon, totalmente coberto por florestas. Toda a sua população 'inteligente' vive permanentemente dentro de uma nogueira, razoavelmente pequena e incrivelmente lotada. É nessa árvore que eles nascem, vivem, se apaixonam, entalham minúsculos artigos na casca da árvore especulando sobre o sentido da vida, a futilidade da morte e a importância do controle de natalidade, combatem as poucas e minúsculas guerras, e por fim morrem pendurados sob as ramagens de um dos galhos mais inacessíveis.
Na verdade, os únicos oglaroonianos que saem dessa árvore são aqueles que são banidos pelo abominável crime de imaginar se alguma das outras árvores poderia ser capaz de sustentar vida, ou até mesmo pensar se as outras árvores são algo além de ilusões provocadas por ingestão excessiva de oglanozes.
Por mais peculiar que esse comportamento possa parecer, não há uma única forma de vida na Galáxia que não possa ser acusada, de algum modo, dessa mesma coisa, e justamente por isso é que o Vórtice da Perspectiva Total é tão horripilante assim.
Quando você é posto no Vórtice, tem um rápido vislumbre de toda a inimaginável infinitude da criação, e no meio disso, em algum lugar, há um marcador minúsculo, um ponto microscópico colocado sobre outro ponto microscópico dizendo 'Você está aqui'".

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Viva a democracia e a liberdade de expressão!


"Do outro lado da rua as casas continuavam com suas fachadas insípidas. O que foi que Clarisse havia dito naquela tarde? 'Nenhum alpendre. Meu tio diz que geralmente existiam alpendres. E as pessoas às vezes se sentavam ali à noite, conversando quando queriam conversar; caladas nas cadeiras de balanço, só se balançando quando não queriam conversar. Às vezes simplesmente ficavam ali sentadas, pensando, refletindo. Meu tio diz que os arquitetos eliminaram os alpendres porque não tinham um bom aspecto. Mas meu tio diz que isso não passava de racionalização; o verdadeiro motivo, escondido por baixo, podia ser que não queriam as pessoas sentadas daquele jeito, sem fazer nada, balançando nas cadeiras, conversando; esse era o tipo errado de vida social. As pessoas conversavam demais. E tinham tempo para pensar. Por isso, acabaram com os alpendres.'"

Trecho extraído do livro Fahrenheit 451 do autor Ray Bradbury (pág. 95 e 96 da edição Globo de Bolso).

domingo, 12 de junho de 2011

Herbivoria dentro de um grupo estritamente carnívoro


Bagheera kiplingi é uma papa-moscas (Salticidae) descoberta no ano de 2009, que alimenta-se de uma forma bastante diferente das aranhas conhecidas até o momento. Esta é a primeira espécie de aranha a ser descrita que alimenta-se preferencialmente de corpúsculos vegetais (“beltian bodies”). Habitante das florestas da Costa Rica esta espécie de aracnídeo explora uma relação mutualística entre as espécies vegetais Acacia spp. e algumas formigas do gênero Pseudomyrmex. Esta relação consiste da planta prover as formigas de alimento (os corpúsculos beltianos), e as formigas conferirem à planta proteção contra parasitas e herbívoros.
Através de observações diretas e análises de isótopos radioativos, Meehan e coloboradores (2009) puderam realizar o primeiro registro de uma aranha que alimenta-se primariamente de plantas. B. kiplingi vive nas emediações de acácias e sobem nestas plantas para alimentarem-se. Entretanto as formigas habitantes desta planta apresentam uma grande ameaça à aranha. Assim esta têm de esperar o momento certo para “assaltar” o item que lhe interessa e, após alcançado, deve fugir rapidamente, evitando ser pega.

Bibliografia
Meehan, C. J., Olson, E. J., Reudnik, M. W., Kyser, T. K., Curry, R. L. 2009 Herbivory in a spider trough exploitation of an ant-plant mutualism. Current Biology Vol. 19 No. 19

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Aranhas papa-mosca (Salticidae), sua origem e evolução


Em um trabalho publicado no ano de 2010, David Penney discute a relevância do estudo de Hill e Richman, que através de dados genéticos e morfológicos inferiram que a origem do grupo de aranhas deu-se no Cretáceo-Superior (cerca de 90 milhões de anos atrás). Contudo critica que não foram levados em conta dados paleontológicos que corroborassem tal afirmação. Assim como estes dois cientistas, outros mencionam a existência de fósseis de salticídeos provindos de formações rochosas do Cretáceo coletados em Nova Jersey, França e Jordânia. Entretanto tais fósseis foram identificados erroneamente, levando a interpretações duvidosas da história evolutiva destes animais. Ainda assim nenhum dos três fósseis foi citado no trabalho de Hill e Richman.
Contudo registros fossilíferos de salticídeos são bastante frequentes nas regiões Bálticas e na República Dominicana, aparecendo no interior de âmbar e datando do Terciário (a partir de 65 milhões de anos atrás). Tal abundância pode ser explicada pelo fato de papa-moscas serem aranhas orientadas, predominantemente pela visão, sendo atraídas por insetos aderidos às resinas grudentas de plantas e acabando por serem presas também. Desta forma, a preservação em âmbar destes animais aparenta ser bastante recorrente. Assim sendo deveriam ser também abundantes no Cretáceo-Superior, caso existissem, o que não parece ser verdade.
Além disso, se este grupo existisse e fosse tão bem distribuído, como é sugerido, sua distribuição deveria ser ampla, atingindo toda Pangea. Todavia observamos que as distribuições do grande grupo a que pertencem as aranhas papa-moscas (Salticoida) acompanham os limites dos continentes modernos, refutando a origem Mesozóica de tal grupo.
Hill e Richman discutem em seu trabalho o grande motivo responsável pela alta e rápida diversificação do táxon, resultando nas 5.293 espéceis distribuídas em 570 gêneros atualmente conhecidos. Eles hipotetizam que os climas tropical e sub-tropical durante o Terciário impeliram a diversificação do grupo, culminando nesta grande diversidade. Porém a maioria das floresta de âmbar do Cretáceo cresceram sob condições semelhantes, e ainda assim não há registro fóssil de Salticidae neste período. Deixando a situação ainda mais misteriosa e enigmática a escassez de fósseis destas aranhas nas épocas mais antigas do Cenozóico, como o Eoceno (cerca de 50 milhões de anos atrás), sendo conhecida uma única subfamília de Salticidae desta época, enquanto quatro ocorrem no Mioceno, sugerindo que a diversificação destes aracnídeos tenha realmente ocorrido no período Cenozóico.
Contudo não devemos excluir completamente a possibilidade da origem ter se dado no Mesozóico e as pesquisas em busca de uma Salticidae do Cretáceo deve continuar. Nas palavras do autor, “A busca pela papa-mosca do Mesozóico tem sido, e continuará sendo, um dos santo graais da paleoaracnologia”.
Referências
HILL, D. E. & D. B. RICHMAN. 2009. The evolution of jumping spiders (Araneae: Salticidae): a review.
PENNEY, D. 2010. The evolution of jumping spiders: paleontological evidence.
PLATNICK, N. I. 2010. The world spider catalog, version 11.0. American Museum of Natural History, online at: http://research.amnh.org/entomology/spiders/catalog/index.html

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A Diversidade da Vida e a Organização do Mundo

“Ela estava caminhando nesta direção quando chegou à floresta: parecia muito fresca e sombreada. ‘Bem, de qualquer forma é um grande conforto’ disse ela enquanto adentrava a mata, ‘depois de ter passado tanto calor entrar na— na o quê?’ ela prosseguiu, um tanto surpresa por não ser capaz de se recordar da palavra. ‘Quero dizer, para chegar sob a— sob a— sob essa, você sabe!’ colocando sua mão no tronco da árvore. ‘Como isso se chama, eu me pergunto? Eu acredito que não tenha nome— estou certa de que não o tenha!’” Este pequeno segmento de texto foi traduzido de “Through the Looking-Glass and What Alice Found There” de Lewis Carroll, trecho em que Alice chega à floresta em que as coisas não possuem nome. Imagine-se frente a uma situação dessas, em que os objetos, animais, plantas e outros elementos do mundo ao nosso redor não possuam designação conhecida. Um mundo em que nada está organizado de acordo com o nosso conhecimento e vivência. O homem vem procurando classificar e organizar o mundo em que vive e com o qual interage desde tempos imemoráveis. Alguns trabalhos vêm tentando resgatar a história do conhecimento acerca da classificação e sistematização do mundo que nos cerca e dos organismos com os quais lidamos e interagimos (Papavero & Balsa, 1986; Papavero, 1989, 1991). No decorrer de todo esse desenvolvimento histórico e cultural por que a espécie humana passou e tem passado, muitos foram os sistemas empregados na tentativa de se classificar e organizar o mundo que nos fascina, e do qual algumas vezes acabamos ficando alheios.

Segundo Nelson e Platnick (1981), houve uma grande colaboração filosófica dos gregos para o início da formalização da sistemática (ramo da biologia que estuda a organização em “estantes” dos seres vivos) através dos ideais de Platão. Este pensador defendia a posição de que apenas deveriam ser reconhecidos e validados como naturais grupos cujo reconhecimento se desse de forma inata no ser humano. Aristóteles, ainda, defendia os ideais fixistas de que as espécies são imutáveis e que não perecem com o decorrer do tempo, portanto os grupos naturais seriam formados pela essência e pela causa final compartilhadas, não se distanciando do ideal de Platão, que necessita do reconhecimento prévio e inato de tais grupos. Posteriormente, um dos grandes nomes da biologia, Carolus Linnaeus, emergiu com a ideia da nomenclatura binomial, composta por um nome genérico e um epíteto específico, servindo para designar as diferentes espécies. Apesar do discurso permeado pelo fixismo prévio, Linnaeus trabalhou com muito afinco num sistema classificatório dos organismos baseado em suas semelhanças.

Ainda no século XVIII, pouco tempo após Linnaeus, teve início uma corrente de naturalistas cujas teorias iam de encontro às ideias fixistas. Erasmus Darwin, Conde de Buffon, Geoffroy Saint-Hilaire, Georges Leclerc , Jean-Baptiste de Lamarck e outros quebraram o paradigma fixista instaurado entre os naturalistas até então. Lamarck propunha que o início da vida se deu de maneira simples e espontânea através de matéria inorgânica, desenvolvendo-se e se aprimorando com o passar de gerações, tornando-se mais complexa devido a alterações nos indivíduos decorrentes do ambiente em que viviam. Tais modificações eram regidas por suas necessidades e motivações internas. A isto se somavam as teorias do uso e desuso, que preconizava que um elevado grau de uso de uma determinada estrutura, bem como o baixo grau, eram capazes de moldar esta estrutura, hipertrofiando-a no caso de sua grande utilização ou distrofiando-a no caso do desuso, e a teoria da herança tênua, que se caracteriza pela transferência direta das modificações adquiridas para a prole, provendo-a com as novas características desenvolvidas. Ainda que postulando alguns aspectos errôneos em sua teoria, Lamarck foi um dos grandes precursores do pensamento não-fixista, fornecendo embasamento para as teorias de Alfred Russel Wallace e Charles Robert Darwin na segunda metade do século XIX.

Então, em meados do século XIX, a teoria da modificação com decendência a partir da seleção natural proposta por Wallace e Darwin tomou conta (mesmo que com um enorme número de opositores) do cenário científico. Esta teoria, com toda sua simplicidade, trouxe uma modificação drástica dos critérios para o reconhecimento de grupos naturais para a organização da vida terrestre. Ela postulava que a vida teria surgido uma, e apenas uma, vez neste planeta, tendo se ramificado como uma árvore originando diferentes ramos e linhagens. Sendo assim, todos os organismos vivos – e extintos – da Terra teriam se originado primordialmente de um único processo, tendo um único ancestral comum a todos os seres vivos. Com esta nova realidade, os grupos naturais seriam apenas aqueles que refletissem um processo histórico evolutivo, compartilhando um ancestral comum mais próximo entre os elementos deste grupo do que quando comparado com um elemento de fora do grupo. Então Ernst Haeckel, em 1889, construiu uma árvore de relações entre organismos baseado na análise comparativa de caracteres desses organismos, cunhando o termo “filogenia” para tal representação gráfica.

Foi apenas nos meados do século XX que propostas classificatórias foram surgindo, iniciando-se com a taxonomia clássica criada por Ernst Mayr, Gordon Linsley e Robert L. Usinger, que propunha que as árvores evolutivas poderiam ser construídas postando táxons terminais na ponta dos ramos e ancestrais diretos desses táxons situados nos nós das árvores. Contudo ineficiências e conturbações dessa proposta fizeram com que ela fosse deixada de lado. Então, pouco tempo depois foi proposta uma taxonomia baseada não nas relações evolutivas e de parentesco, mas num balanço geral das similaridades entre os organismos analisados. Para tanto seria construída uma matriz de similaridades entre os organismos, levantando-se o maior número possível de características para base de comparação. Então a partir desta matriz, um algoritmo computacional geraria um diagrama de proximidade, ou similaridade, entre os táxons analisados. Estes diagramas são chamados de “fenogramas”, e seus colaboradores são conhecidos como “feneticistas”, já que essa escola acabou recebendo o nome de taxonomia “numérica” ou “fenética”. Todavia foi Willi Hennig, em 1950 e 1966, que propôs um método bem embasado de classificação biológica. A base de seu pensamento era o processo evolutivo. Ele uniu termos da taxonomia fenética com a base teórica da evolução, fundando a sistemática filogenética (ou cladística), que priorizava as relações de parentesco entre os táxons. Com a finalidade de fundamentar sua teoria, Hennig propôs termos como homologias, características derivadas, apomorfias, plesiomorfias, grupos parafiléticos, polifiléticos e monofiléticos, etc. Portanto, o pensamento Hennigiano se calca no preceito de que dados três táxons A, B e C, dois deles têm necessariamente que ser mais próximos entre si – ou seja, partilhar um ancestral comum – do que um terceiro grupo (B e C têm de ser mais próximos entre si do que A e C ou A e B, partilhando um ancestral comum). A partir disto, podemos inferir, como fez o pŕoprio Hennig, que apenas é possível conhecer as relações colaterais de parentesco (relação de grupos irmãos) entre os táxons, sendo impossível o estabelecimento de afirmações sobre táxons ancestrais e táxons descendentes.

Desta forma, filogenias, ou cladogramas, são hipóteses sobre as relações de parentesco, ou seja, de grupos irmãos entre os organismos sob observação, tendo em vista determinadas características, podendo ter um alto ou baixo grau de suportabilidade. Trocando em miúdos, uma hipótese filogenética para um determinado grupo de elementos pode ser corroborada por novas características e informações ou ser falseada e refutada por motivo semelhantes. Portanto um mesmo grupo de seres vivos pode apresentar mais de uma (às vezes muito mais) possibilidade de cladograma, dependendo dos caracteres utilizados para a construção de tais árvores. Entretanto apenas uma destas reconstruções pode estar correta. Diante de tais fatos, não podemos deixar de conhecer os fundamentos teóricos que alicerçam esta organização do mundo em que vivemos e temos o dever de tentar esclarecer da melhor forma possível (ou seja, utilizando-se da maior quantidade de bases e métodos possíveis) a história evolutiva dos grupos.


Bibliografia

AMORIM, D. S. 1997 Elementos básicos de Sitemática Filogenética

CARROLL, L. 1896 Through the Looking-Glass and what Alice found there

NELSON, G. & PLATNICK, N. 1981 Systematics and biogeography: cladistics and vicariance

PAPAVERO, N. 1989 Introdução histórica e epistemológica à Biologia Comparada com especial ênfase à Biogeografia II. A Idade Média: a queda do Império Romano do Ocidente à queda do Império Romano no Oriente.

PAPAVERO, N. 1991 Introdução histórica e epistemológica à Biologia Comparada com especial ênfase à Biogeografia III. De Nicolau de Cusa a Francis Bacon(1493-1634)

PAPAVERO, N. & BALSA, S. 1986 Introdução histórica e epistemológica à Biologia Comparada com especial ênfase à Biogeografia I. Do Gênese ao fim do Império Romano

SANTOS, C. M. D. 2008 Os dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para a sistemática filogenética

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Pensando na vida.

O geneticista Theodosius Dobzhansky afirmou, em 1973, que “nada em biologia faz sentido a não ser sob a luz da evolução”. Tendo isto em vista, a compreensão minuciosa da Teoria Evolutiva é de fundamental importância para todos aqueles que têm a pretensão de se denominar cientistas e se faz ainda mais relevante para aqueles que pretendem intitular-se biólogos. A formação profissional que temos culmina imensamente na responsabilidade de divulgar de forma correta a informação e de educarmos, da mesma maneira, nossos futuros alunos ou mesmo aqueles que não serão denominados alunos, mas que ainda assim nos tomarão como educadores e informadores.
Um dos grandes problemas que encontramos dentro de salas de aula e mesmo, ou ainda mais, fora delas é a linguagem teleológica (ou finalista) que permeia a concepção direcional e progressiva do processo evolutivo. Um dos mais difundidos - e piores - exemplos deste tipo de pensamento é aquela iconografia quase canônica de um ser humano seguido por outro representante do gênero Homo, sendo este seguido por um Australopithecus e este, por fim, sendo seguido por um macaco (muitas vezes platirrino) ou mesmo por um chimpanzé. Tal imagem é tão abarrotada de erros que causa respulsa em muitos biólogos (e também a não biólogos) evolutivos. Devemos compreender que a visão progressista expressa por essa imagem está completamente errada. Apesar de não gostarmos, temos que entender que o ser humano não é, de forma alguma, o opus magnum da natureza, o ápice do processo evolutivo. Além disso, tentar inferir qualquer tipo de diferenciação a partir de um táxon terminal para outro é um equívoco estrondoroso. Não somos, de maneira alguma, descendentes dos chimpanzés ou dos bonobos ou de qualquer outro animal que conheçamos. Este tipo de inferência errônea pode ser facilmente evitada a partir da abordagem filogenética e do uso de cladogramas para o entendimento do processo.
http://laranjalimao.files.wordpress.com/2008/03/evolucao-do-homem-com-a-comida.jpg
Dizer que determinadas estruturas e caracteres surgiram “para” exercer determinada função torna-se insustentável quando fazemos a abordagem evolutiva adequada à utilização de cladogramas e filogenias. O termo “exaptação”, proposto por Stephen Jay Gould e Elizabeth Vrba em 1982, faz com que o pensamento teleológico seja visivelmente incoerente. Exaptação nada mais é do que uma adaptação que não evoluiu dirigida por pressões seletivas relacionadas à função que exerce atualmente em seu portador. O caso clássico do aparecimento das penas em aves é um belíssimo exemplo de exaptação. Primordialmente as penas exerciam uma função muito mais termorregulatória do que locomotora. Aliás, foi só algum tempo após o aparecimento das penas que seus portadores começaram a planar e, posteriormente, a voar. É claro que as penas de função térmica tinham uma estrutura muitíssimo mais semelhantes às atuais plumas das aves do que ao que pensamos ao falarmos de penas. Inúmeros outros casos de exaptação podem ser identificados na natureza, como a dormência em sementes de Erythrina vetulina, que apresenta um complexo reprodutivo bastante interessante.
Mais uma ferramenta poderosa com que devemos trabalhar são as chamadas “convergências”. Convergências são características ou atributos semelhantes que evoluem em grupos não proximamente aparentados. Outro nome que essas características recebem (e que muitas vezes é usado com maior frequência) é “analogia”. Estruturas análogas ou convergentes são estruturas que apresentam mesma função, “moldadas” por pressões seletivas com alto grau de semelhança. Como exemplo temos a forma hidrodinâmica em Osteichtys, cetáceos e Ichtyosauros. Grupos relativamente distantes apresentam características bastante parecidas e com funções similares, entretanto sem uma base gênica semelhante. Outro caso de grande beleza são os paralelismos (ou evoluçao paralela). Podemos ressaltar como exemplo deste tipo de fenômeno a presença de halteres, também chamados de balancins, em diferentes ordens de insetos. Diptera, a ordem a que pertencem as moscas, mosquitos, mutucas, etc., possuem uma estrutura chamada halter com a função de manter um voo equilibrado. Esta estrutura nada mais é do que o par de asas modificado e reduzido. Outro grupo de insetos, da ordem Strepsiptera, também apresenta este mesmo atributo, um par de asas reduzido modificado em halteres com função de equilíbrio em sua locomoção. Contudo, ao observarmos os dois animais, podemos reparar facilmente que Diptera apresenta o par posterior de asas modificado em halteres enquanto que Strepsiptera apresenta o par anterior de asas com essa modificação. O grupo gênico responsável pelo surgimento de halteres no lugar de asas é o mesmo nos dois grupos de animais. A característica “presença de halteres” é um paralelismo entre os dois grupos de animais, Diptera e Strepsiptera.
Além destes exemplos de convergência e paralelismo, muitíssimos ainda podem ser citados, como a presença de espinhos nas famílias Euphorbiaceae e Cactaceae de vegetais, sendo a primeira africana e a segunda norte-americana; os olhos com retina de polvos e de vertebrados, e muitos outros infindáveis exemplos. Desta maneira, fica óbvio que o estudo e a compreensão do processo evolutivo não devem, de maneira alguma, restringir-se às aulas de Evolução. Fica arrebatadoramente claro que todos os ramos da Biologia se interligam e que realmente não há sentido algum em olharmos apenas para células, plantas, animais, moléculas de DNA ou o que quer que seja sem compreendermos o real plano de fundo de toda a ciência da vida.


Bibliografia
www.agencia.fapesp.br/materia/12055/especiais/esperteza-vegetal.htm – Acessado em 01/06/2010
www.charlesmorphy.blogspot.com – Acessado em 01/06/2010
pt.wikipedia.org/wiki/Exaptação – Acessado em 01/06/2010
DAWKINS, R. 2009 A Grande História da Evolução
DOBZHANSKY, T. 1973 Nothing in Biology Makes Sense Except in the Light of Evolution
SANTOS, C. M. D. & CALOR, A. R. 2008 Using the logical basis of phylogenetics as the framework for teaching biology